Monday, December 2, 2013

Os rostos da República de A a Z (16)


A produção poética de Pessoa diminui na década de vinte devido às suas actividades empresarias e desperta com a revista Contemporânea onde revela ser mais multifacetado do que alguém podia imaginar.

Dos 23 poemas ali publicados, incluem-se doze que foram mais tarde a segunda parte de Mensagem e eram assinados por Álvaro de Campos. É a primeira aparição do heterônimo como poeta desde o Orpheu.

Foi também nesta revista e no primeiro dos seus 13 números que Pessoa publicou o Banqueiro Anarquista, uma espécie de dialogo socrático que era muito caro ao autor.

Fernando Pessoa era muito céptico em relação às ideologias anarquista, socialista e comunista chegando mesmo a escrever que esta revolução ia “atrasar dezenas de anos a realização da sociedade livre”, previsão que depois se revela acertada.

A mais importante revelação literária de Pessoa foi, nessa época, Albero Caeiro e Ricardo Reis. É misterioso que os tenha mantido em segredo durante tantos anos, uma vez que a maior parte da poesia de Caeiro foi publicada em 1916.

Aguardou certamente um contexto adequado para o revelar e foi ele quem criou esse contexto com a revista Athena, Revista de Arte, com os cinco números publicados entre 1924 e 1925.

Foi uma revista à Pessoa em que ele desenvolveu a sua campanha pela elevação da cultura portuguesa. Era uma ilustração perfeita da Nova Renascença promulgada por Fernando Pessoa doze anos antes.

É neste ambiente sóbrio, mas clássico, e ao mesmo tempo moderno, português e universal, que Pessoa deu a conhecer Reis e Caeiro, com ampla selecção de poemas de  cada um deles.
O renascimento neogrego que estes dois heterónimos deviam prefigurar baseava-se no neopaganismo, um sistema filosófico e religioso inscrito na sua poesia.

O fenómeno dos heterónimos reflecte a convicção de Fernando Pessoa de que nem no apertado âmbito do eu existe a unidade. Fernando Pessoa rejeitava a visão da unidade última e divina promovida pelo cristianismo e outras religiões monoteístas. Isso não significa que ele não desejasse a unidade. 

Na heteronomia do seu eu fragmentado, o poeta tentou, paradoxalmente, construir um pequeno mas completo universo de partes interligadas que formassem um todo coerente.

A morte da mãe coincide com o quinto e último numero da revista Athena e ninguém tinha reparado nos poemas do mestre triunfal, Alberto Caeiro... Não saiu qualquer critica ou referencia nos jornais. Fernando Pessoa estava mais só do que nunca, humana e literariamente falando. 

Em 31 de Agosto de 1925 escreve a um amigo a dizer que sofria de “loucura psicasténica” e perguntava  que tinha de fazer para requerer o seu próprio internamento num manicómio.

O seu velho receio de enlouquecer ressuscitava e o medo revela o grau de abatimento emocional em que caiu.
Nesse Outono dedica-se a escrever muitos artigos sobre o comercio e gestão de empresas na Revista de Comércio e Contabilidade, dedicando-se à história, teoria do comercio e numerosos preceitos e sugestões para o bom funcionamento de uma empresa.

Pessoa manifesta então o seu desprezo pelo capitalismo, mostrando-se grande defensor do comercio livre e opondo-se a qualquer proteccionismo.

A carreira literária de Pessoa parecia estar em ponto morto, quando nasceu a revista Presença, primeiro órgão a reconhecer o seu estatuto de poeta cimeiro do modernismo em Portugal.

Foram responsáveis por este regorgitar pessoano José Régio, João Gaspar Simões e Adolfo Casais Monteiro. Logo no terceiro numero de Presença, José Régio (na foto) escreve: “Fernando Pessoa tem estofo de mestre e é o mais rico em direcções dos nossos chamados modernistas”. 

No numero seguinte, Fernando Pessoa dá começou a uma longa colaboração que inclui alguns dos seus mais belos poemas: Aniversário, parte de O guardador de rebanhos e Tabacaria.

Ainda não era a “larga celebridade” que Pessoa desejava como “sinónimo psíquico da liberdade” mas o poeta esperava isso.
Entre 1919 e 1931 escreve dezenas de trechos para um ensaio em inglês Erostratus (homenagem ao grego que destruiu o templo de Diana) e argumenta que o "verdadeiro génio, por representar um avanço qualitativo sobre os seus contemporâneos, nunca será devidamente reconhecido pela sua própria geração”.

Explicava-se o escasso renome alcançado por Pessoa em vida, sinal de que podia vir a ser reconhecido pela futura história da literatura universal.

Pessoa era um megalómano – natural num criador artístico que pretende ser usurpador da função divina — desde tenra idade. No entanto, os seus anseios de glória associavam-se ao sonho de um Portugal glorioso e triunfal. Ele queria ser um grande escritor, suplantar Luís de Camões, para engrandecer a cultura portuguesa e coloca-la ao nível da inglesa e da francesa. Sendo Portugal um pais pequeno nunca podia distinguir-se como potencia militar ou económica e tinha de se impor como força interior, pelo espírito, pela cultura.

É a função redentora da cultura, com Pessoa no leme de salvador das letras.
Assim, quando o Marechal Manuel Gomes da Costa inicia em Braga a revolta militar, tem o apoio de Pessoa, cansado, como a maioria dos portugueses, de tanta instabilidade política e desordem social.

Pela mesma razão que foi sidonista, Pessoa apoiou a revolta contra a república parlamentar, que nada representava de novo.
Fazer tabua rasa do sistema para criar algo diferente e melhor em que a cultura era a força governativa.

Era o novo império, ao lado dos grandes impérios grego, romano ou cristão: Portugal, através da língua e da cultura, e sobretudo da sua literatura, dominaria o resto da Europa. 

Um império de poetas.




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