Pode
ter perpassado a ideia, nas últimas crónicas, que Fernando Pessoa passou
pela miséria, mas a verdade é que nunca esteve à beira dela,
apesar de todos os percalços.
No
entanto, é verdade que Fernando Pessoa foi afligido, durante toda a
sua vida adulta, a começar na adolescência, por crises de
depressão, devidas ao seu exacerbado sentimento de solidão.
Já
em criança sentia necessidade de se isolar dos outros e mais tarde
reconhece que apenas Mário de Sá-Carneiro era “o maior e mais
íntimo amigo”.
Em
que consistia essa intimidade, na troca de poemas para serem
comentados reciprocamente.
Estranhamente
nunca se tratam por tu, mas falam das suas angústias, receios e
depressões, mas quase sempre num tom literário, elevado, com
recurso a metáforas, imagens requintadas e recurso a passagens das
suas obras.
Sá-Carneiro
queixava-se mais vezes da falta de dinheiro e pedia a Pessoa para ir
pedir ou cobrar dívidas a amigos em Lisboa.
Quando
Sá- Carneiro caminhava para o suicídio, Fernando pessoa escreve-lhe
que “há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não
doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há
muito tempo mas a minha mágoa é muito antiga”.
Sá-Carneiro
era o mais inseguro dos dois, com receio de ofender ou incomodar o
outro mas sempre aflito quando as cartas de Pessoa tardavam a chegar.
Pessoa tinha uma irresistível capacidade para se distanciar das suas
emoções, algo impessoais, como se fosse um observador de si
próprio… até ao dia em que o seu amigo Mário se entregou numa
aventura sem retorno com uma “personagem feminina”.
Pessoa
reagiu com ciúmes face à prostituta Helena ou estava a reagir ao
afastamento definitivo – o suicídio de Mário, a 26 de Abril de
1916?
Pessoa
entendia o sexo como “elementos de obscenidade” que eram um
“estorvo a certos processos mentais superiores” mas estava ainda
vivo, como demonstra numa carta publicada em 1915, embora com uma
orientação pouco clara.
Em
Agosto desse ano escreve Antinous, em que o imperador canta a sua dor
e o seu amor perante o cadáver do jovem amante, que morrera afogado
no Nilo. É o mais belo poema de amor que Fernando escreveu, com
muito desejo sublimado, com a expressão repetida “Ai de mim!”
perante uma rapariga a quem fez olhinhos mas não teve atrevimento
para mais.
O
jovem poeta estava confuso e baralhado. Queria relacionar-se com
mulheres (entre 1914 e 1920) ou colocar-se em causa sexualmente
devido à sua timidez com as mulheres? Em parte, era assim, como
demonstra uma carta que escreve a João Gaspar Simões. Nessa carte,
Pessoa reconhece ter duas sexualidades à parida, representadas pelos
poemas Epithalamium e Antinous.
Em
1916 ainda confessa ser virgem, enquanto Mário de Sá-Carneiro se
desenvencilhava desse problema com uma prostituta, em Paris. Na gravura, o seu poema Aquele outro.
Um
dia, um dos seus heterónimos, Henry More, avisa-o a 28 de Junho de
1916: “não deves continuar a manter a castidade. És tão misógino
que te encontrarás moralmente impotente e, dessa forma, não
produzirás nenhuma obra completa na literatura”.
Esta
inquietação sexual coincide com o despertar espiritual de Fernando
Pessoa, entre 1915 e 1918: “um génio inteiramente só, por mais
genial que seja, é tão carente de sentido como um Deus suspenso no
vazio”.
Fernando
Pessoa necessitava de ligar a sua vida com outros seres humanos, no
plano afectivo, ou seres superiores, no plano espiritual. A
verdadeira busca começa agora para ao autor de “A Mensagem”.
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