Tuesday, July 30, 2013

Os rostos da República: Fernando Pessoa (14)


O conselho de Henry More apontava para uma mulher desvirginadora no seu caminho, bastando que ele não tivesse medo e há descrições bastante pormenorizadas de mulheres que deviam resolver o “problema” de Pessoa, ao ponto de se apontarem três filhos de três mães diferentes.

Pessoa acreditava nesta previsões do seu alter ego Henry More? Ou eram apenas as suas aventuras astrais que substituíam o amor terrestre para amortecerem uma relação carnal?

Seja o que for, Pessoa continua a escrever até 1930, por entre um ou outro conselho para Pessoa “acasalar”. Estes despertares coincidiram com um acordar espiritual que fazem crescer “aversão às mulheres” ao ponto de se consideram artisticamente incompleto por não ser completo sexualmente.

Afinal, Pessoa vivia assustado pela solidão para não ser o tal Deus suspenso do vazio e começa a interessar-se pela grandes religiões como forma d encontrar a ligação da sua vida aos outros seres humanos.

Daí a té se deixar seduzir pela Cabala, Rosa Cruz ou a Maçonaria foi um pequenino passo, numa fase de grande incerteza e vulnerabilidade intelectual, de alguém pedido que se agarra ao que houve para agarrar.

Passara a grande explosão de Alberto Caeiro e o poeta vivia sozinho, em quartos alugados, confrontando-se consigo mesmo.
Devorando jornais, Pessoa assistia ao descalabro do mundo, com a I Guerra Mundial, em que defendeu a posição alemã, antes de Portugal ter entrado no conflito.

Pessoa era uma personalidade profundamente abalada. À guerra junta-se a trombose que atinge a mãe e ele sentia-se rodeado pela ausência, morte e precariedade. Só o mundo espiritual e religioso lhe davam algum conforto através do contacto com o “mestre” Henry More.

É nesta fase que Pessoas se aborrece com a mediunidade como um menino larga os seus brinquedos, mas é provável que tenha acreditado tanto nela como nos seus heterónimos ou na astrologia.

Pessoa assume-se como a criança que brinca com amigos imaginários – os seus heterónimos – porque fingir para uma criança não é muito diferente de acreditar. Não fosse o poeta um fingidor e não o fosse mais ainda quando perde o dom de acreditar naquilo que ele próprio gerou.

Encomendou horóscopos astrólogos ingleses ou era cliente que queria ser fornecedor? Elaborava horóscopos para desconhecidos ou procurava fontes de receitas alternativas? Há mistérios pessoanos que permanecem indecifráveis.

Nestas distracções da mediundade que “provoca um desequilíbrio mental, nálogo ao produzido pelo alcoolismo”, Pessoa comete um dos seus grandes erros: não se aperceber que o destino ia decapitar o “esfinge gordo”, o seu maior amigo, Mário de Sá-Carneiro.

Explica também que chegados aos 30 anos, Fernando Pessoa não tivesse publicado ainda nenhum livro, ao contrário de tantos amigos menos talentosos? Era um projecto que adiava desde 1913 e anunciava aos amigos mas “nada saía” mesmo que o jornal A Capital considerasse a Ode Marítima como a “trapalhada mais extraordinária” mas “se torna forçoso reconhecer que há nela qualquer coisa de superior ao resto e que o seu auto tem talento apesar da sua maluqueira”?

Pessoa nunca se empenhou seriamente em que lhe publicassem os livros por culpa sua: a sua exigência de perfeição absoluta tornava difícil esse acto. Ele não queria ser mais um daqueles que frequentam cafés, publicam uns versos e se tornam mais ou menos conhecidos e morrem depois.

Publicar-se era para Fernando Pessoa uma “ignóbil necessidade”. Daí que apenas o tenha feito em 1918, com Antinous e 35 sonnets. A edição comprovou o seu receio: ninguém leu. Era na Inglaterra que ele esperava ter êxito e abordara já várias editoras sem sucesso ou sequer uma resposta.

Na Inglaterra, um jornal avalia Antinous e 35 sonnets e coloca em causa a qualidade do inglês do poeta e o escasso interesse “pelo valor do que os poemas têm para dizer”. Outro jornal acusava-o de “excessivo artifício shakespeariano”.

O mesmo destino têm os mil exemplares de “English poems”, inspirados em modelos gregos. Sobraram-lhe 900 exemplares. A sua aposta – ou tentativa de emigrar – londrina falhava completamente. Nesta altura da vida, Pessoa não sabia o que fazer: ficar ou sair de Lisboa para Londres, deixar de escrever e criar uma empresa import-export. As ideias fervilhavam à mesma velocidade que fracassavam no terreno. É no meio desta convulsão pessoal, literária e económica que Fernando Pessoa desencadeia uma polémica de grandes proporções.

Em 1922, publica uma edição aumentada de Canções de António Botto, um livro de versos que celebrizava a beleza masculina. Para promover o livro publica um artigo “António Botto e o ideal de estética em Portugal”. O monárquico Álvaro Maia responde-lhe com “Literatura de Sodoma: o sr. Fernando Pessoa e o ideal estético em Portugal”. Raul Leal contrapõe com “Sodoma divinizada” e surge uma Liga de Acção de Estudantes de Lisboa contra a “literatura de Sodoma”. 

O livro de Botto e o artigo de Leal são apreendidos pelo governdor civil de Lisboa enquanto é distribuído um manifesto contra “a inversão da inteligência, da moral e da sensibilidade”.
Pessoa responde, numa folha assinada por Álvaro de Campos: “Ó meninos, estudem, divirtam-se e calem-se”. Enceta depois um combate escrito pela liberdade de expressão que contrasta com o seu sidonismo anterior. 

Pessoa, após o assassínio de Sidónio Pais, glorificou-o com o poema “À memoria do Presidente-Rei Sidónio Pais”, em 1920, prenúncio do regresso do Desejado D. Sebastião. É a primeira manifestação de sebastianismo. Baseado nas profecias do sapateiro de Trancoso (séc. XVI), Pessoa quer afirmar-se como Salvador da literatura de Portugal, o super-Camões, ao mesmo tempo que desejava um super-homem politico, um grande estadista, que pudesse salvar o país do caos em que este se afundara.

Apesar do gosto pelo escândalo, Pessoa já não era visto como um jovem irrequieto, desejoso de dar nas vistas. Tornara-se um homem respeitado, recatado e de hábitos certos,  admitindo, em 1920, a possibilidadde de se casar com Ofélia Queirós, a quem declara um “amor extremo”.

No entanto, nas cartas trocadas entre ambos, Fernando Pessoa falava-lhe de assuntos corriqueiros. Costumavam passear a pé mas Fernando nunca quis ir a casa dela e conhecer os seus familiares. A relação ficou numa caixa, num compartimento, isolada do resto da vida de Pessoa, apesar de ter tido grande importância para ele. Guardou as muitas cartas e postais de Ofélia. 

Ele queria amá-la mas faltava-lhe o essencial: a entrega. Quando o namoro acabou, ele sentiu-se “aliviado e sem vocação para outras afeições”.





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