Tuesday, July 30, 2013

Os rostos da República: Fernando Pessoa (12)


A ‘heterocracia’ de Fernando Pessoa chegou ao ponto de criar um Thomas Crosse, suposto tradutor e crítico inglês, criado depois para distinguir Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos, chegando ao ponto de planear, em 1916, uma Antologia dos poetas sensacionistas portugueses.

O Thomas Crosse não “cumpriu” essa tarefa e apenas escreveu parte do prefácio dessa obra.
Pessoa ou Thomas Crosse chegou a traduzir para inglês alguns versos de um poema de Alberto Caeiro, dois poemas inteiros de Álvaro Campos e o início da Ode Marítima.

O ano de 1914 marca também uma viragem na poesia do ortónimo Fernando Pessoa (outro que “vivia” com a tia Anica) ou seja o verdadeiro Pessoa que, ao conhecer Alberto Caeiro, “teve naquele momento a sua libertação" ao dar a conhecer qualquer coisa diferente nos seus poemas que têm datas posteriores a 8 de Março de 1914.

Que confusão, dirá o leitor. A esta observação camiliana, devemos lembrar que pessoa encarnava outras pessoas, com nomes diferentes, mas que eram a mesma pessoa que escreveu 
Ó sino da minha aldeia,
Já lenta na tarde calma,
Cada tua badalada
 Soa dentro da minha alma

Ou então:
A cada tua pancada,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto”.

É uma verdadeira ficção em torno de si próprio que Pessoa urde ao longo deste período de desdobramento dos seus “eu”, numa caminhada de despersonalização – e de desresponsabilização? – porque todos eles estavam artisticamente vivos, com vida própria, verdadeira e responsabilidade nenhuma.

Mas é neste ano de 1914 que desponta uma Primavera triunfal, a explosão de Pessoa como um grande escritor que resulta de uma mistura da escola inglesa, os estudos de Latim e das literaturas clássicas, os românticos e simbolistas franceses em que ele mergulhara oito anos antes.

O rastilho foi um poeta americano – Walt Whitman — , a chave que abriu Pessoa para ‘O Canto de Mim mesmo’ que é um hino ao cosmo inteiro e galvaniza Pessoa a libertar-se dos heterónimos de forma progressiva, sem que deixe de os criar, como António Mora (continuador de Caeiro) ou Rafael Baldai (astrónomo de barbas longas que filosofava no seu Tratado de Negação).

Também temos os irmãos de Thomas Crosse (I. I. Crosse ou A. A. Crosse) que assinava ensaios a favor de Alberto Caeiro (I. I.) ou concorria a prémios literários (A. A.). Estes heterónimos comentavam entre si as obras dos anteriores Ricardo Reis e Álvaro de Campos, críticos um do outro e envolvendo-se numa discussão acalorada que respeitava a grandeza incondicional do mestre Caeiro… Devem ter sido divinais estes anos para Fernando Pessoa no diálogo com os seus outros “eu” (alter ego).

O único conhecedor destas multifacetadas personagens era Mário de Sá-Carneiro e daí que se entenda que tenha definido Pessoa como “Homem-Nação – o Prometeu que dentro do seu mundo interior de génio arrastaria toda uma nacionalidade: uma raça e uma civilização”.

Pessoa gerou a sua própria civilização sem sair de casa e nutria a esperança de impor esta civilização - dos heterónimos – no mundo real.
Álvaro de Campos assinava cartas para os jornais e dava entrevistas. Há dezenas de páginas elogiosas que Pessoa queria publicar em jornais portugueses e estrangeiros para Lançar Caeiro, enquanto Frederico Reis escreveu um longo folheto sobre a escola de lisboa que era constituída por Caeiro, Reis e campos e se opunha a Teixeira de Pascoais e aos saudosistas do Porto. Sozinho, desdobrando-se em muitos autores, Pessoa estava pronto a transformar a literatura nacional.

Era uma ambição desmesurada. Sejamos simpáticos: era uma forte desejo de afirmação pessoal ou o maior monumento conhecido ao narcisismo na Europa, pelo menos.

Uns dividem para reinar, Fernando Pessoa “dividia-se para reinar” e afirma-o ousadamente em Ultimatum pela pena de Álvaro de Campos, onde condena a época de então por “incapacidade de criar grandes valores” e luta pela “abolição do dogma da personalidade” quando afirma que nenhum artista deve ter “só uma personalidade” uma vez que o maior artista é aquele que “menos se define, escreve em mais géneros com mais contradições e dissemelhanças”.

Em 5 de Junho, o poeta fingidor escreve à mãe: “os meus amigos dizem-me que eu serei um dos maiores poetas contemporâneos”. É uma altura de inquietude que procura o regaço da mãe e o reconhecimento público que receava e o levava a refugiar-se nos “Hetero”.

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