Monday, July 5, 2010

Cem anos de República no Minho (10)


Na liderança destes grupos miguelistas surgiram clérigos como o padre Casimiro José Vieira, o padre João Cano, o padre Manuel de Agra, entre outros, que dão ao movimento carácter político: a restauração do absolutismo ou da Causa miguelista de que a Póvoa de Lanhoso e Vieira eram dois berços de ouro.

Camilo Castelo Branco descreve este estado de alma no interior minhoto de forma fantástica no seu livro “A Brasileira de Prazins”, datado de 1882, quando descreve a criação da Corte de Calvos, onde se alojou, na residência paroquial um tal Veríssimo que se fez passar por D. Miguel.

Constava que D. Miguel estava escondido na re-sidência do abade de São Gens de Calvos, no conce-lho da Póvoa de Lanhoso, o reverendo Marcos António de Faria Rebelo. Que pou-quíssimas pessoas o tinham visto, porque Sua Majestade só se mostraria aos seus amigos fiéis quando entrassem pela Galiza os generais estrangeiros que se esperavam, uns do antigo exército carlista, outros de Inglaterra” — escreve Camilo em “A Brasileira de Prazins”.

A importância dos padres para a criação desta fábula — que testemunha a influência do clero na causa absolutista — é bem visível no texto que transcrevemos em seguida, da mesma obra, e se reporta ao ano da revolução da Maria da Fonte.

Trazemos aqui estes elementos para que eles nos ajudem a perceber porque é que os ideais republicamos — trazidos pelas invasões francesas — demoraram tantos anos a vingar em Portugal. A resistência era muito forte, por força da acção do clero rural, de que é exemplo eloquente esta história que cupa vários capítulos de “A Brasileira de Prazins”, a recordar episódios vividos po Camilo Castelo Braga na sua juventude, quando andou foragido por Braga, Taipas e Póvoa de Lanhoso.

Um boato de Vieira
a Bouro
com epicentro
em Calvos

Naquele ano, por meado de 1845, espalhara-se no ambiente dos realistas, como um aroma de jardins floridos, o boato de que vinha o Sr. D. Miguel. O seu enorme partido sentia-se palpitar no anseio da-queles vagos anelos que estremeciam as nações pagãs ao avizinhar-se o profetizado aparecimento do Messias. Afirmam-no os Santos Padres, e os padres do Minho asseveravam o mesmo a respeito do príncipe proscrito. Frei Gervásio recebia do alto da província cartas misteriosas de uns padres que paroquiavam na Póvoa de Lanhoso e Vieira. Era ali o foco latente do apostolado. Naqueles estábulos de igno-rância supersticiosa é que devia aparecer, pelos mo-dos, o presépio do novo redentor. Citavam-se profecias apocalípticas de frades que estavam inteiros sob as lajes das claustras. Convergiam àquele ponto missionários de aspectos seráficos, olhando para as estrelas como os magos e os pastores da Palestina.”

A ironia camiliana é saborosa, mas retirando os exageros, “A Brasileira de prazins” é um bom testemunho da crendice do povo do interior minhoto, que acreditava em tudo o que os clérigos afirmavam. Veja-se como se vai criando o ambiente para a instalação da chamada Corte de Calvos de El Rei D. Miguel, escondido na residência do pároco.

Gaspar das Lamelas emborracha-se ao jantar e faz brindes ao Menino Jesus e ao Sr. D. Miguel I. Pica-lhe na caneca, pungem-no saudades do rei, e sai para o terreiro a dar-lhe vivas. Outros vinhos em ebulição respondem-lhe num grito de sinceridade compacta. (...) Este general, ao declinar da vida, casado e abstémio, não deu uma página gloriosa à sua história, presidiu sem iniciativa militar nem política à Junta Suprema do Povo, e fechou o ciclo das suas façanhas a parlamentar em Vieira com o padre Casimiro, o General Defensor das cinco chagas”.

O que é certo é que o boato da presença de El Rei D. Miguel, começou a circular no interior minhoto, apesar das dúvidas, como excelssamente descreve o romancista de Seide (S. Miguel): “Entretanto o Zeferino, um pouco desanimado, contou-lhe que o seu padrinho de Barrimau e mais o frade não acreditavam que el-rei estivesse em Calvos; que era uma comedela do Dr. Cândido de Anelhe e dos padres para apanharem cinquenta contos à D. Isabel Maria; que os generais do Sr. D. Miguel não sabiam de nada.

O Cerveira Lobo esfriou.
— Também me parece — dizia — que se o meu velho amigo D. Miguel aí estivesse, já me tinha mandado chamar.
Mas, depois que o Bezerra de Bouro asseverou que beijara a mão de el-rei, o pedreiro e o tenente-coronel já não podiam duvidar. Combinou o fidalgo com Zeferino que partisse ele para Lanhoso, e dissesse ao capitão-mor que o levasse a Calvos.


Na próxima semana, vamos transcrever uma sessão da corte do rei D. Miguel na residência paroquial de Calvos, até à chegada dos soldados, idos do Quartel do Pópulo, em Braga, para prender o “rei”... de copas, chamado... Veríssimo!