Monday, June 14, 2010

Cem anos de República no Minho (8)


A revolta da Maria da Fonte alastra-se rapidamente da Póvoa de Lanhoso a Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Viana do Castelo, Barcelos, Braga, Taipas, Guimarães, Cabeceiras de Basto, Chaves e Vinhais.

As escaramuças chegam a cidades como Vila real, Viseu, Aveiro, Coimbra, Leiria, Figueira da Foz e Santarém, mas não é um erro histórico grosseiro afirmar que a revolta da Maria da Fonte foi uma revolução regional que marcou todo o ano de 1846, a partir de Maio.

Assim se chamou a revolução que rebentou no Minho em Abril de 1846 contra o governo de Costa Cabral, mais tarde conde e marquês de Tomar. Mas, a par da oposição às «Leis de Saúde» estava a luta contra o aumento dos impostos decretado pelo Governo, traduzido na destruição das «bilhetas», que eram os boletins das contribuições.

Também, a oportunidade da Restauração de D. Miguel. E, com o alastrar da revolta a outros pontos do País, a união de Cartistas, Miguelistas e Setembristas leva a que os Cabrais se vejam obrigados a abandonar Portugal. A Revolução da Maria da Fonte teve, portanto, consequências políticas muito para além do que os seus promotores alguma vez pensaram.

Pinceladas camilianas

«Começara o ano de 1846 docemente reclinado nos fagueiros braços da mais bonançosa paz. A agricultura prosperava, o comércio desenvolvia-se, as artes floresciam, o crédito público aumentava, a viação co-meçava os seus primeiros ensaios e as contribuições não escaldavam» — escrevia Castelo Branco no seu livro "Maria da Fonte".

Contra as autoridades vão fazê-lo, em Março na freguesia de Garfe, antes na freguesia de Travassós, nos primeiros dias de Abril na fre- guesia de Fonte Arcada, e, quase no fim desse mês, no lugar de Simões ou Simães.

Estes acontecimentos eram protagonizados por mulheres, armadas «umas de chuços, outras de ferrelhas e pás de enfonar, muitas com choupas e sacholas, algumas com forcados e espetos» , é a descrição de Camilo sobre estas mulheres, que comandavam o funeral, não permitindo a presença de homens.

As autoridades participavam estes atropelos à lei, mas não obtinham resposta. Somente a seguir ao caso em Simões é que foi emitida voz de prisão para Maria da Fonte e suas sequazes, que foram presas, à excepção da cabecilha que conseguiu fugir. «Na sexta-feira próxima em que havia confessores para a desobriga» , o juiz de direito, o delegado, o oficial de diligências e os adjuntos dirigiram-se ao lugar, e o povo começou a tocar os sinos a rebate, tendo as autoridades que fugir.

«Foi então que apareceu a Maria da Fonte de clavina empunhada e duas pistolas ao cinturão, gritando: Vamos à cadeia tirar as presas! Viva o Senhor Dom Miguel!» — relata Camilo Castelo Branco. Chegados à Póvoa, são as mulheres presas libertadas, regressando a suas casas como heroínas. Entretanto, as autoridades enviam um destacamento de cin-quenta praças do Regimento “8” de Braga para a Póvoa de Lanhoso, que nada faz. Pouco tempo depois ocorre outro enterro, na freguesia de Galegos, onde Maria da Fonte e as suas companhei-ras voltam a aparecer. Agora, a toda a gente é permitido assistir, participando o Clero plenamente na cerimónia. Desta ocorrência, são presos um homem e uma mulher, mas, «ao passarem na serra do Carvalho, lá vão tirá-los à escolta os moradores das próximas freguesias de Ferreiros e Geraz» — prossegue o relato camiliano com ecos nas suas "Memórias do Cárcere".

Entre 15 e 16 de Abril a revolta assume proporções inesperadas, com o ataque a Guimarães conduzido pelo Padre José das Caldas, e o ataque a Braga pelas gentes do Prado que já descrevemos aqui, a propósito da celebração da Páscoa na rua da Cónega. Ao mesmo tempo são queimados todos os papeis dos arquivos da administração. Maria da Fonte — como se crê — participa em todos estes actos e senão participou é sempre importante que uma qualquer altercação da ordem estabelecida tenha um nome, ou esteja personalizada numa pessoa que, por vezes, se torne de difícil identificação.

Mito popular?

O imaginário popular precisa destas personagens, com as quais se identifica, transformando-as em mitos, que passam de geração em geração, passando a fazer parte da história alternativa.

Maria da Fonte é nome de mulher, mas, terá realmente existido uma mulher com esse nome, ou será apenas fruto de uma lenda? Efectivamente, os seus contemporâneos distribuíram os atributos da personagem por diferentes mulheres, de diferentes lugares. Uma é apresentada como irmã de um sapateiro de Simões, da freguesia de Fonte Arcada, de nome Maria Angelina, a quem chamavam Maria da Fonte, e fora processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso — lembra Camilo Castelo Branco.

Outra, era uma doceira de Valbom, nas vizinhanças de Lanhoso, que andava pelas feiras e romarias inculcando-se a Maria da Fonte — tenta explicar o escritor de Seide que andou foragido à justiça entre as Caldas das Taipas e a Póvoa de Lanhoso.

Camilo Castelo Branco cita o jornal «Comércio de Portugal», de Lisboa, de 15 de Março de 1883, identificava Ana Maria Esteves, que teria, então, cinquenta e seis anos, nascida em São Tiago de Oliveira, Póvoa de Lanhoso, e casada com António Joaquim Lopes da Silva, como a Maria da Fonte.
Mas a ela voltaremos.

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