Friday, September 25, 2009

Uma campanha sem justiça


Ao analisar os temas que têm marcado a campanha eleitoral para as “legislativas” e tendo em conta a nossa memória dos últimos anos — com casos tão mediáticos — estranha-se que a Justiça tenha sido varrida para debaixo do tapete das caravanas que percorrem o pais à caça do voto dos portugueses.

A valorização da sociedade portuguesa do funcionamento do poder judicial oscila entre o descrédito e a confiança politicamente correcta e assumida por todos os agentes políticos que prezam a separação constitucional dos poderes.

A Justiça continua a ser uma aspiração humana íntima e profunda e assume-se como a última instancia protectora dos direitos e das liberdades dos cidadãos.

Esta aparente contradição — o descrédito à confiança — simboliza a irregularidade que tem norteado as relações entre a Justiça e a sociedade portuguesa. Trata-se de uma irregularidade baseada na indiferença e pouca atenção que o Estado lhe dedica através dos poderes executivo (Governo) e legislativo (Assembleia da República).

Não se fez justiça com a Justiça após 35 anos de democracia.

É estranho que os portugueses se tenham habituado a conviver com a visão negativa, com o funcionamento anómalo do trabalho judicial

Dos casos mediáticos, falámos e escrevemos muito esquecendo o trabalho diário dos Juízos e dos Tribunais. Parece até que o Poder Judicial, no seu sentido lato, não precisa da sociedade, quando devíamos saber que os nossos juízes, trabalhadores e honestos gostam de sentir-se apreciados pela cidadania numa sociedade madura, culta, moderna e justa.

É verdade que vivemos num tempo de reivindicações mas também de diálogo.

É a procura de pontos de encontro que constitui hoje o desafio da sociedade, da democracia e da cidadania para a reforma da justiça, para uma modernização normativa e tecnológica que torne real o que até agora foi impossível: situar os órgãos judiciais no mesmo patamar dos países europeus

Ora, o que se tem visto nas ruidosas caravanas eleitorais é a indiferença e o silêncio.

Thursday, September 24, 2009

Franceses em Braga há 200 anos (20)



Wellesley teve no Marechal William Beresford um dos seus mais eloquentes colaboradores para afastar as tropas de Soult do Minho, apesar da derrota em Braga, na Serra do Carvalho.

Sobre este irlandês, William Beresford, o primeiro dos segundos de Wellesley, há quem escreva apenas loas e quem veja apenas a nódoa do assassinato do General Gomes Freire de Andrade.

William Carr Beresford, marquês de Campo Maior, nasceu na Irlanda em 1768, tendo servido como militar na Nova Escócia e participado em várias campanhas em França, especialmente no célebre cerco da cidade de Toulon, em 1793, que o então jovem capitão Napoleão conseguiu romper com audácia e tiros de canhão.

Mais tarde Beresford esteve também no Egipto e na Índia, tendo comandado as tropas que conquistaram a cidade de Buenos Aires mas perdeu de seguida e foi feito prisioneiro.
Em 1807, era já governador da Madeira, no âmbito da cooperação anglo-portuguesa, para impedir que os franceses se instalassem naquele arquipélago. Em Agosto do ano seguinte vem para Lisboa sendo nomeado comandante da Capital após a batalha do Vimeiro.

No ano seguinte é lhe encomendada a difícil missão de defender a rectaguarda contra as tropas de Soult, que já tinham chegado ao Porto, depois de passarem por Chaves, Montalegre, Póvoa de Lanhoso e Braga.

A forma eficiente como desempenhou essa missão, em estreita colaboração com as tropas portuguesas, como braço direito de Arthur Wellesley. Além de afastar as tropas francesas, mesmo com encarniçadas batalhas — como aconteceu em Amarante — e golpes de genialidade, como a travessia do rio Douro, Beresford é hoje unanimemente considerado o verdadeiro reorganizador do exército português, dando-lhe a eficiência notável que se evidenciou sobretudo na batalha do Buçaco, a 27 de Setembro de 1810.

No âmbito da campanha de expulsou das tropas francesas da Península Ibé-rica, encetada por Wellesley, o marechal Beresford é ferido na batalha de Salamanca e vê-se obrigado a regressar a Inglaterra, diluindo-se a sua importância no seio do exército português onde a sua promoção a Marechal-General tinha causado algumas invejas e atritos com oficiais mais antigos.

Beresford — ao contrário do inacessível Wellesley — desempenhou nas frentes de batalha um importantíssimo papel militar dado o acompanhamento próximo das forças portuguesas, nas suas relações com as inglesas.

O dramatismo da fuga de Soult por terras do Minho, sobretudo na ponte de Misarela, em direcção à Galiza, não foi ainda maior devido a uma pequena indecisão de Beresford em Rui-vães.

Esta indecisão acabou por dar um dia de vantagem às tropas francesas em fuga que foi vital para a salvação de milhares de soldados, apesar de terem perdido centenas de cavalos e pe-ças de artilharia, deixando para trás os despojos do saque feito em terras minhotas. O nome de Beresford fica também ligado à reconquista de Campo Maior, durante a terceira invasão, embora a mais célebre das suas vitórias tinha acontecido em Albuera.

Após a guerra Peninsular, Beresford assumiu as funções de generalíssimo do exército português mas a morte — por assassínio — do general português Gomes Freire de Andrade — marca a sua carreira. Ainda hoje se percebe mal qual foi a participação neste processo em que se viu envolvido.

Para o futuro ficava um conjunto de princípios que marcam a reorganização do exército português.

Ele foi o pioneiro de um conjunto de procedimentos que contribuíram para fazer das tropas portuguesas um dos corpos militares mais apreciados no mundo, à semelhança da eficácia britânica.

Wednesday, September 23, 2009

A última oportunidade


O jornal espanhol “El mundo” publicava no início desta semana um excelente artigo de José Manuel Durão Barroso, recém reeleito para a presidência da Comissão Européia. Porque o tema tem sido silenciado na campanha eleitoral portuguesa, atrevo-me a citar aqui alguns dos parágrafos mais emblemáticos.

As mudanças climáticas estão a produzir-se mais rapidamente do que esperávamos há dois ou três anos atrás. Daí que os dirigentes mundiais, europeus e portugueses não possam continuar a assobiar para o ar como se nada significassem para si.

Estamos perante o desfio mais importante para a actual geração de políticos do mundo e reina um estranho silêncio em Portugal, desde a direita à esquerda.

A Cimeira de Copenhaga está a suscitar justificadas inquietações e tudo aponta para um buraco sem saída, face ao adivinhado afrontamento entre os países desenvolvidos e as nações em vias de desenvolvimento.

No entender de Durão Barroso, a nossa geração e a dos nossos filhos não pode tolerar “um resultado desastroso”.

Os líderes mundiais são desafiados a “contemplar o abismo que se abre sob os seus pés” e incitados a fazer alguma coisa para avançar as negociações porque o momento “não é de jogar póquer, mas de colocar os trunfos sobre a mesa e os trunfos devem chegar ao limite das suas possibilidades políticas”.

Em primeiro lugar, os paises mais desenvolvidos devem tornar claros os seus planos para reduzir as emissões de Dióxido de Carbono (CO2) a médio prazo, alem de darem provas concretas da sua liderança.

Só assim é possível reduzir em 80 por cento as emissões de CO2 até ao ano 2050. Deste modo, possuem autoridade moral para exigirem aos paises em vias de desenvolvimento uma redução entre os 25 e 40% até ao ano 2020.

São necessários cem mil milhões de euros para uma resposta eficaz à destruição da camada de Ozono que protege e permite a existência de vida na Terra. Uma parte é financiada pelos países mais avançados e outra parte deve ser obtida com o mercado do Carbono.

A parte que toca à Europa, nos cálculos de Durão Barroso, ascende a quinze mil milhões de euros.

Se fracassar a cimeira de Copenhaga, dentro de dois meses e meio, Durão Barroso afirma que os dirigentes mundiais estão a escrever a carta de suicídio maior e mais global da história.

E a opção é simples mas dramática. Simples porque só há acordo com dinheiro, mas sem acção não há dinheiro. Dramática porque o mundo está a sair de uma enorme depressão financeira mas pode cair numa dramática agonia mortal se nada fizer pelo ar que respiramos.

Mas nada disto parece inquietar os portugueses e muito menos os seus políticos em campanha eleitoral.

Friday, September 18, 2009

Duas pérolas de fim de Verão



São duas pérolas, uma em prosa (abaixo) e outra em gravura (acima).
mas não posso resistir a partilhá-las convosco.

TVI - A Minha Leitura (José Niza)


Fui director de programas da RTP e depois seu administrador. E garanto-vos que, se alguma vez algum apresentador ou jornalista desse uma entrevista a chamar-me "estúpido", a primeira coisa que aconteceria seria o cancelamento imediato do seu programa, independentemente de haver ou não eleições em curso.

Por isso me parece incompreensível que, embora rios de tinta já se tenham escrito sobre o cancelamento do jornal nacional que Manuela Moura Guedes (MMG) apresentava na TVI, todos os analistas e comentadores tenham ignorado a explosiva e provocatória entrevista que MMG deu ao Diário de Notícias dias antes de a administração da TVI lhe ter acabado com o programa.

Em meu entender essa entrevista, realizada com antecedência para ser publicada no dia do regresso de MMG com o seu jornal nacional, foi a gota de água que precipitou a decisão da TVI. É que, o seu conteúdo, de tão explosivo e provocatório que era, começou a ser divulgado dias antes. E se chegou ao meu conhecimento, mais cedo terá chegado à administração da TVI.

Nessa entrevista MMG chama "estúpidos" aos seus superiores. Aliás, as palavras "estúpidos" e "estupidez" aparecem várias vezes sempre que MMG se refere à administração.

É um documento que merece ser analisado, não somente do ângulo jornalístico, mas sobretudo do ponto de vista comportamental. É uma entrevista de uma pessoa claramente perturbada, convicta de que é a maior ("Eu sou a Manuela Moura Guedes"!) e que se sente perseguida por toda a gente. (Em psiquiatria esse tipo de fenómenos são conhecidos por "ideias delirantes", de grandeza ou de perseguição).

MMG diz-se perseguida pela administração da TVI; afirma que os accionistas da PRISA são "ignorantes"; considera-se "um alvo a abater"; acusa José Alberto de Carvalho, José Rodrigues dos Santos e Judite de Sousa de fazerem "fretes ao governo" e de serem "cobardes"; acusa o Sindicato dos Jornalistas de pessoas que "nunca fizeram a ponta de um corno na vida"; diz que o programa da RTP 2, Clube de Jornalistas, é uma "porcaria"; provoca a ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social); arrasa Miguel Sousa Tavares e Pacheco Pereira, etc.

E quando o entrevistador lhe pergunta se um pivô de telejornal não deve ser "imparcial", "equidistante", "ponderado", ela responde: "Então metam lá uma boneca insuflável"!

Como é que a uma pessoa que assim "pensa" e assim se comporta, pode ser dado tempo de antena em qualquer televisão minimamente responsável?

Ao contrário do que alguns pretendem fazer crer - e como sublinhou Mário Soares - esta questão não tem nada a ver com liberdade de imprensa ou com a falta dela. Trata-se, simplesmente, de um acto e de uma imperativa decisão administrativa, e de bom senso democrático.

Como é que alguém, ou algum programa, a coberto da liberdade de imprensa, pode impunemente acusar, sem provas, pessoas inocentes? É que a liberdade de imprensa não é um valor absoluto, tem os seus limites, implica também responsabilidades. E quando se pisa esse risco, está tudo caldeirado. Há, no entanto, uma coisa que falta: uma explicação totalmente clara e convincente por parte da administração da TVI, que ainda não foi dada.

Vale também a pena considerar os posicionamentos político-partidários de MMG e do seu marido.

J. E. Moniz tem, desde Mário Soares, um ódio visceral ao PS. Sei do que falo. MMG foi deputada do CDS na AR.Até aqui, nada de especialmente especial.

O que já não está bem - e é criminoso - é que ambos se sirvam de um telejornal para impunemente acusarem pessoas inocentes, sem quaisquer provas, instilando insinuações e induzindo suspeições.

Ainda mais reles é o miserável aproveitamento partidário que, a começar no PSD e em M. F. Leite, e a acabar em Louçã e no BE, está a ser feito. Estes líderes políticos, tal como Paulo Portas e Jerónimo de Sousa, sabem muito bem, que nem Sócrates nem o governo tiveram qualquer influência no caso TVI. Eles sabem isto. Mas Salazar dizia: "O que parece, é"!

E eles aprenderam.




- 1984. Eu era, então, administrador da RTP. Um dia a minha secretária disse-me que uma das apresentadoras tinha urgência em falar comigo: - "Venho pedir-lhe se me deixa ir para a informação, quero ser jornalista"! Perguntei-lhe se tinha algum curso de jornalismo. Não tinha. Perguntei-lhe se, ao menos, tinha alguma experiência jornalística, num jornal, numa rádio... Não tinha. "O que eu quero é ser jornalista"! Percebi que estava perante uma pessoa tão determinada quanto ignorante. E disse-lhe: "Vá falar com o director de informação; se ele a aceitar, eu passo-lhe a guia de marcha e deixo-a ir". A magricelas conseguiu. Dias depois, na primeira entrevista que fez - no caso, ao presidente do Sporting, João Rocha - a peixeirada foi tão grande que ficou de castigo e sem microfone uma data de tempo.

P.S.

A jovem apresentadora chamava-se Manuela Moura Guedes.

E se eu soubesse o que sei hoje...



Ribatejo - Portugal

Tuesday, September 8, 2009

Franceses em Braga há 200 anos (19)


Quando se encontrava no cativeiro na ilha de Santa Helena, Napoleão, nas suas memórias, escreveu que "a Guerra peninsular perdeu-me. Destruiu a minha moralidade, complicou os meus embaraços e abriu uma escola para os soldados ingleses".

Anteriormente, falamos de três valentes portugueses que dominaram as segunda invasão de Soult que quis tomar Portugal entrando pelo Minho, em direcção ao Porto: Freire de Andrade, assassinado em Braga, Silveira de Brito, grande responsável pela derrota de Soult e o eng. Vilas Boas.

O trabalho sobre a Invasão francesa que devastou as terras de Lanhoso, antes da batalha de Braga, e na retirada, até Misarela, ficava incompleto se não falássemos de três estrangeiros: o marechal Soult, o tenente-general irlandês Wellesley e o seu compatriota Beresford que comandou os portugueses por terras de Lanhoso e Braga.

Se é certo que os militares franceses não contavam com a força da resistência do povo, também é verdade que a Inglaterra enviou para Portugal um punhado de oficiais, alguns dos quais perderam a vida aqui, que ajudaram a libertar o país e se cobriram de glória em todas as campanhas levadas a cabo no Minho e no resto do país.

“O DUQUE DE FERRO”

Acima de todos, brilha com grande luminosidade o duque de Wellington, hoje considerado como um dos maiores chefes militares de sempre. Ele foi o chefe que soube conduzir, em condições muito difíceis e em completo isolamento, sempre doloroso, os exércitos aliados ao triunfo.
É a ele que Napoleão dedica as palavras com que iniciamos esta crónica.
O tenente-general Artur Wellesley, nasceu em Dublin, a 1 de Maio de 1769.

Depois de estudar em França, iniciou a sua carreira militar com a batalha da Flandres e foi ferido na Índia, onde se tornou um militar exímio e um organizador ponderado e eficiente.

PORTUGAL TALISMÃ

Em 1808 já se opusera com glória a Junot, nas batalhas da Roliça e Vimeiro. Volta a Portugal, um ano depois, para expulsar Soult da cidade do Porto, através de uma manobra bem concebida e bem coordenada com o comandante do exército português Beresford.

No ano seguinte é ele quem obriga Massena a deixar Portugal, derrotando-o no Buçaco. Vencidos os franceses em Portugal, em três anos consecutivos, Wellesley persegue os franceses em território espanhol, ao ponto das Cortes espanholas o nomearem Generalíssimo.

Em 1813 perseguiu as tropas de Napoleão até ao território gaulês, chegando à cidade de Toulouse.

Com a destituição de Napoleão, regressa a Londres onde é triunfalmente recebido e agraciado com o título de Duque de Wellington, mas faltava-lhe vencer o próprio Napoleão e esse triunfo aconteceu na última e decisiva batalha de Waterloo, sendo nomeado comandante supremo das forças de ocupação de França.

Os documentos que nos deixou mostram-nos um chefe militar sóbrio, perseverante, intransigente na disciplina e prudente nas decisões, características que lhe valeram o cognome de "Duque de Ferro".

De facto, ele não captava a simpatia dos seus soldados que, na manhã de uma batalha diziam que "a presença da sua figura imponente valia por muitos homens". Os soldados respeitavam-no mais do que o amavam, por causa dos insultos que dirigia às vezes aos súbditos.

Centralizador, sem dar iniciativa aos seus subordinados, Wellesley era brilhante na táctica e eficaz na estratégia contrariando a afirmação de Napoleão segundo a qual "a sorte fez mais por ele do que ele fez pela sorte".

DUPLA COM BERESFORD

Sabia fazer retiradas quando lhe parecia peri-goso não o fazer (como em Talavera ou Madrid), por-que gostava de atacar com eficácia (como na Roliça e Vimieiro) e ser arrasador como foi em Vitória aproveitando as falhas do adversário, como sucedeu em Salamanca.

A perseguição a Soult no fim da segunda invasão — pelo Minho — até aos Pirinéus revelam-nos um general confiante e determinado até à aniquilação total do inimigo em fuga e a sua rendição.

Adepto incondicional da formação em linha, Wellesley teve no Marechal Beresford um dos seus mais eloquentes colaboradores, apesar da derrota em Braga, na Serra do Carvalho.

Sobre este irlandês, William Beresford, escreveremos na próxima crónica.