Saturday, April 12, 2008

A saudade parafraseada



Apertar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Um murro, um soco, um pontapé, doem.
Bater com a cabeça na quina da mesa,
dói morder a língua!
Dói a pedra no rim.

Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade do gosto de uma fruta rara.
Saudade do amigo que nos deixou.
Saudade de uma cidade.
Saudade de nós, porque o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorosa é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, da ausência forçada.

Podias ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Podias ir ao dentista e ele para a faculdade, mas sabiam-se onde.
Podias ficar o dia sem vê-lo, e ele o dia sem vê-la, mas viam-se amanhã.

Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor,
ao outro sobra a saudade que ninguém sabe como matar.

Saudade é simplesmente
não saber, é ignorar.
É ignorar se ele continua a fungar num ambiente mais frio.
É ignorar se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.

É não saber

se ele tem comido bem
por causa daquela mania
de estar sempre ocupado,
se ele tem assistido às aulas,

Se ele ainda sorri com aqueles olhos que falam
Se ele ainda canta as músicas que eu adorava
Se ele continua a gostar dos mesmsos filmes
Se ele escarnece os meus desenhos

Saudade é não saber nada!
É não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos,
É não saber como encontrar tarefas que lhe encham o pensamento,
É não saber como secar as lágrimas diante de uma música,
É não saber como vencer a dor do silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber
se ele está com outra, e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz,

Saudade é nunca mais saber
de quem se ama e ainda assim dói.

Saudade é isso que senti enquanto escrevi
e o que tu, provavelmente, estás a sentir agora,
depois de saber que eu tenho saudades de ti.
Já agora mata-me a saudade
porque queres saber de mim.

Não faço a barba aos sábados
Não sorrio com aqueles olhos que falam
Não canto as tuas canções
Não voltei ao cinema
Nem rio dos teus desenhos.

Os meus dias são mais curtos,
Trabalho e trabalho para esquecer
A desilusão que tu foste
E secou as minhas lágrimas
Apos tanta dor silenciosa!

Nem sei se tenho saudade.
Gostava de lhe dar outro nome
Porque, para Pablo Neruda,
Saudade é "amar um passado que não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida"

... E eu começo a ter saudade
De a tua saudade ignorar
Para voltar a fazer
a barba ao sábado
Para voltar a cantar
Para voltar a sorrir
Para voltar falar alto
E fazer com que outra
Sinta saudade de mim.

No comments: