Wednesday, March 19, 2008

Braga: o alfaiate que lanchou com Oliveira Salazar




É um dos fundadores da sociedade constituída por dezenas de bracarenses que criou o antigo Nosso Café – como protesto contra o seu aumento - mas bem pode ser definido como o “alfaiate que lanchou com Oliveira Salazar”.

Dessa sociedade apenas resta ele e o “Paulo das Louças” e no seu atelier, à sombra da Capela da Lapa, na Arcada, guarda ainda uma velha fotografia encaixilhada, com todos os que se revoltaram contra o aumento do preço do café e fundaram aquela sociedade que há-de gerir aquela casa, na Avenida da Liberdade, até ao fim do século XX.

A sua arte de alfaiataria – masculina e feminina - foi conhecida por António Oliveira Salazar, uma vez que teve o privilégio de lanchar com ele, na casa do Comendador Nogueira da Silva, quando foi levar um dos seus trabalhos a casa deste cliente ilustre da Alfaiataria Oliveira, constituída pelos irmãos Alfredo e Geraldo, após a morte do pai.

Estamos a falar do Geraldo (Pereira de Oliveira) do alto dos seus 85 anos, “feitos em Setembro”, que herdou a arte do corte e costura de seu avô, Baltazar, que tinha uma alfaiataria onde hoje é a Loja Singer, frente à Brasileira, e do pai, Manuel Maria, cuja alfaiataria era no sítio onde depois foi construído o actual Posto de Turismo de Braga, há cerca de 75 anos.

Comecei a trabalhar aos sete anos, quando andava na escola, nos tempos livres e depois tirei o curso de tecelão debuxador, na Escola Industrial de Braga” – diz o nosso interlocutor.

Aprendia nuns teares, os primeiros que foram adquiridos por Jorge Segismundo para a Escola Industrial que funcionava na Cangosta da Palha.

Depois, ainda tirou um curso de corte por correspondência cujo exame final foi em Lisboa.

São esses tempos da juventude que recorda com nostalgia em que frequentava os salões de baile para dançar o tango, aos domingos de tarde, com as “cinco coroas” que o pai lhe dava e onde conheceu a sua “cara-metade” e mãe dos seus quatro filhos.

“Sempre a trabalhar enquanto estudava, porque nunca fiz outra coisa”, estabelece-se com o irmão e funda a Alfaiataria Oliveira. Quando casou foi morar para Nogueiró, até conhecer Mons. Manuel Vaz Coutinho, capelão da Lapa e administrador do Diário do Minho, “que era meu cliente e me trouxe para aqui”.



Para trás ficava a sociedade com “meu irmão, na Rua de S. Marcos, onde hoje é o Café da Olguinha” e depois de 1971, na Avenida da Liberdade, por cima do Fernando Simão.

Quando estalou a Revolução do 25 de Abril, a Alfaiataria Oliveira tinha 15 trabalhadores, com loja de fazendas e clientes que vinham de todo o Minho. Ali funcionou até 1988, quando a sociedade acabou por causa da diminuição de clientes.

Geraldo Oliveira tem quatro filhos, dois engenheiros (Francisco e a Ernestina) e dois professores Adelino e a Maria da Conceição), que lhe deram, para já, nove netos, uma já licenciada em Engenharia e outro a seguir a carreira musical com sucesso.

Das suas memórias guarda um lanche com António Oliveira Salazar: “uma vez fui a casa do Nogueira da Silva, que era meu cliente, estava lá o Salazar e lanchei com ele”. Outro dos meus cientes era o “prof. Machado Vilela, de Barbudo, Vila Verde, outro era o Teotónio Santos, e muitos outros ilustres de Montalegre, Vieira do Minho e Braga”.

Cliente do senhor Gerado era o Almitrante Cayres Braga, de Tebosa. A esposa era sobrinha do Sidónio Pais e "um dia fui a casa dele e estava lá o Rosa Coutinho a lanchar”.

Apesar destes conhecimentos, com políticos nacionais e locais, diz-nos com segurança: “não ligo ao futebol nem à política. Não prendo a cabeça com isso”.

Enquanto folheia os livros onde se podem encontrar todos os conselhos, boas práticas, medidas e cálculos para qualquer que seja a encomenda de vestuário masculino e feminino, o nosso artista reconhece que “ainda tenho clientes fiéis mas não dá para viver”.

No entanto, não tem dúvidas em afirmar que “hoje se veste pior embora ainda haja alguns bons alfaiates em Braga como o Gaspar, o Cunha e o Carneiro da Rua Nova, mas o trabalho é muito pouco”.

Numa sala, rodeado de estantes com fazendas, Geraldo Oliveira dá-nos algumas razões que ajudam a explicar o declínio da arte de alfaiate: “olhe, há uns anos, havia três armazéns de fazendas em Braga. Eram o Oliveira, o Sousa & Maia e o Lopes dos Reis, e agora não há nenhum. Eles vendiam muito, eram muito fortes, tão fortes que chegavam às tecelagens e exigiam desenhos exclusivos e tudo isso acabou”.

Depois levanta-se e mostra-nos algumas das excelentes fazendas do catálogo da Scabal e dos armazéns ingleses da Harris Tweed. São fazendas de “grande categoria mas um fato custa aí uns 55 contos, em nota antiga. Quem é que está para mandar fazer um fato se compra dois ou três no pronto-a-vestir pelo mesmo dinheiro”?

Há por aí “fatos a dez contos, é tudo colado, é feito em série e sem inter-telas” mas é o que as pessoas compram.
É pena que estas artes acabem, mas o que se passa connosco está a acontecer com as costureiras. As casas estão a fechar”.
Enquanto as artes se perdem, os artistas vão se alimentando de memórias, das fardas que faziam para a Segurança Social, para os contínuos dos bancos ou para os motoristas dos grandes senhores da cidade.

O nosso interlocutor executa todos os trabalhos para senhora, desde os casacos, saias e calças a outras peças, com sucesso.

Ainda há alguns tempos, recorda com orgulho, “fiz um casaco para uma senhora de Viana do Castelo, de acordo com o figurino que ela escolheu. Levou-o ao Brasil e quando veio, o seu marido telefonou-me a dar os parabéns e a dizer: “olhe, você é um doutor. No Brasil, toda a gente perguntava onde comprámos o casaco”.

Brincalhão, Geraldo Oliveira conta que um dia fez um fato de cerimónia – um fraque – para um bracarense nomeado deputado na Assembleia Nacional. No regresso da sessão plenária, o deputado veio dar um abraço ao “nosso” alfaiate e dizer-lhe: “olhe que o Salazar não tirava os olhos do meu fraque”.

Na sua humildade, como são os grandes criadores, minimizou o elogio do seu ciente – “O Salazar lá ia estar a olhar para o fraque dele...”





A revolta
da Velha
Brasileira


Não podíamos deixar escapar a oportunidade de recordar as origens de “O Nosso café”, construído num edifício que ainda hoje é um belo exemplar da arquitectura civil na Avenida da Liberdade.

Alguns anos após a segunda Grande Guerra, os clientes de “A Brasileira Velha”, do sr. Queirós, foram confrontados com um aumento do preço do café. Os clientes, liderados por Gil Macedo decidiram alugar a “Auto-Palace”, do grande piloto de Fórmula Um, Vasco Sameiro, fizeram obras e abriram um café com um espaço destinado a jogos de bilhar e de snooker.

Os fundadores “tinham acções de cem escudos cada um; eu tinha dez e o meu pai tinha outras dez. Éramos uns vinte e tal até que o solicitador Armandino Oliveira foi comprando as acções a um, depois a outro e por aí fora até concentrar as acções todas em si e vendeu o Nosso Café aos seus novos proprietários”.

Geraldo Oliveira recorda os tempos em que a Avenida da Liberdade começava a ser rasgada na antiga rua da Água onde existiam as Pensões Comercial e do Lage (pai do António Lage presidente da unta de S. Lázaro após o 25 de Abril que morreu há algumas semanas e afamada por ser um dos poucos sítios onde se comiam umas belas enguias).

Do pós-25 de Abril não esquece a nacionalização da Viação Auto-Motora, do Marinho. “Ia a passar na Avenida da Liberdade e vi muitos militares dentro da garagem. Um Capitão subiu para um palanque e anunciou aos trabalhadores que a empresa passava a ser do Estado”. Era o fim de uma das grandes empresas de Braga.

1 comment:

Conceição Oliveira said...

Sou filha do senhor Geraldo Oliveira. Gostava de saber quem criou este blogue.